Category: Contos


Alissa e a Jhor

Texto escrito ao som de Hungry Lucy – The Hill (Clique com o botão direito e em “abrir nova aba” para ouvir.) https://www.youtube.com/watch?v=smvb7qeKEP4




Lei da ação e reação, Alissa já sentiu o poder dela centenas de vezes e outras tantas se levantou para começar tudo de novo. Mas dessa vez é diferente, a dor é mais profunda e Alissa agora começa a crer que talvez não haja mais volta. Os amigos, os amores, as batalhas, os tempos de faculdade em Boston, os últimos conflitos em Nova York,  as músicas horríveis que seu mentor costumava ouvir enquanto dirigia. Tudo agora vai ficando para trás junto com a sua lucidez. Tudo agora se resume a uma tempestade de pensamentos num quartinho sujo de hotel em Londres.  As memórias começam a se confundir e mais uma vez o passado vem a tona. Alissa está deitada na cama, resolve olhar para o lado, há sangue escorrendo por baixo da porta do banheiro. Dois homens com os corpos carbonizados estão de pé ao lado da cama. Ela  fecha os olhos para evitar mais essa visão, pois  reconhece os dois agentes que matou naquele incêndio proposital há 2 anos atrás. Seus olhos estão fechados, mas ela ainda os vê rindo com desdém da sua situação. Alissa quer matá-los de novo, por isso levanta da cama em direção aos dois, que já não estão mais lá. A única coisa que vê é sua aparência cadavérica no espelho e uma mensagem escrita com sangue:  “É SUA CULPA!”. Ela joga a cadeira no espelho. Um estilhaço atinge sua perna fazendo um corte profundo, ela ignora completamente e se senta no chão enquanto encosta na cama.

Ela sabia desde aquele dia no refeitório no qual se deixou levar pela paixão e usou magia para saber o destino. Ela sabia que William morreria em breve  e  mesmo quando entrou junto dele naquele cemitério para ajudar a cabala, entendia que de lá talvez ele jamais sairia vivo. “Tudo pela roda”, murmurava para si mesma com os dentes cerrados enquanto chorava no velório.  Agora o sangue que escorre de dentro do banheiro parece cobrir o chão do quarto todo. Por um momento Alissa sente uma certa satisfação com a cena tão comum a ela;  por um momento deseja sair e  ceifar mais vidas, mas apenas por um momento.  Seus sentidos agora vão se perdendo, mas ela consegue ouvir um murmuro vindo do banheiro, uma voz feminina chorando. Com alguma dificuldade ela se arrasta até a porta, o sangue faz com que escorregue, até que  finalmente consegue ficar em pé e abrir a porta. O que ela vê não deixa dúvidas. É seu o corpo que está deitado dentro da banheira. Um largo sorriso agora cobre seu rosto.

E então o apartamento mergulha em escuridão.

Junto ao túmulo de William

Alissa


“Minhas lágrimas correm por meu rosto, à medida que a dor e paixão vivida vêm em minha memória a contragosto. Meus lábios agora secos, outrora umedecidos pelos seus beijos, sussurram palavras de amor em vão, enquanto aqui permaneço imóvel frente ao teu túmulo a recordar nossos momentos de paixão.

Meu versinho bobo ainda está colado no seu túmulo, já fazem alguns anos que não venho aqui. Me desculpe por isso.
Éramos tão diferentes, você no seu mundinho Star Wars e eu no meu mundinho de Tim Burton. Por mais que eu fosse desperta, eu era uma adolescente. Você foi meu primeiro amor verdadeiro. Não, aquele caipira lá da Pensilvânia não conta, sempre te disse isso. Mas o que eu não te disse é EU TE AMO. Você entende, eu confiava demais, era orgulhosa demais e pensava de menos. Engraçado como foi a primeira vez que te vi, você usava aquela camiseta surrada do C3PO.  Aquilo não é algo que chama a atenção de uma menina gótica você sabe. Nosso namoro escondido da cabala e do Owen. Hahaha, até parece que poderíamos enganá-lo. Logo ele que sempre esteve ao meu lado depois que meu mentor morreu.  Ah! William, sinto muito sua falta, tenho sido tão dura com todo mundo depois da sua morte. Alguns já se afastaram de mim, não por mal, mas porque eu quis assim.  Droga,  é tudo culpa minha porque confiei naquele homem. Essa confiança cega foi a causa da sua morte, quer você queira ou não.  Eu senti muito por tudo, jurei vingança e por essa vingança eu vivo.  É dela que extraio minha últimas forças nestes dias finais.  Três deles já se foram meu amor, restam dois! Espero que eu consiga puni-los antes que a Jhor me consuma. Falta muito pouco e agora tenho ajuda. Adeus meu amor!

Uma tarde no parquinho.

Alissa

Não faço idéia do porque estou aqui. Talvez busque algo, talvez não, talvez eu busque por mais um pouco de ilusão. No momento eu busco consertar, punir aqueles que insistem em impedir o ciclo. Um parquinho, vozes de crianças brincando e correndo. Pequeno momento de paz. Um menino passa e me encara, com os olhos perdidos na linha do horizonte só me dou conta quando ele já está para sair. A julgar pela forma como estou vestida ele deve achar que estou em luto por alguém, o que de certa forma está certo. Ele me olha de novo e sorri. Minha face já não disfarça a minha tristeza, estou tão cansada. O pior de tudo, por que me sinto tão vazia? Porque ainda acredito estar certa, quando o mundo todo está contra mim? Será que meu orgulho é tão grande que estou criando defeitos que o mundo não possui, só para me sentir dona da razão? Ah, deixe estar, meu alvo se aproxima. Ele aparenta ser um velho tranquilo, os cabelos brancos e o sorriso simpático escondem o grande filho da puta que ele é. Ele sorri pro garoto que me encarou e agora caminha em minha direção. Saia daí garoto! Eu posso aceitar muitas coisas nessa vida, mas abuso sexual e sequestro de crianças está longe de ser uma delas. O importante é que isso vai acabar e ele terá uma nova chance de se redimir. Só mais um pouco…Agora! Dou o primeiro tiro exatamente no centro de sua testa. cortesia da entropia; Não posso vacilar, me levanto e corro em direção ao carro. Abro a porta e me sento bem rápido. Ligo o rádio e acelero de volta pra casa. No caminho vou pensando, talvez fosse o garoto o próximo da fila. Bom, não mais.

Naquela manhã de outono

Alissa

O frio da manhã percorria a sala, o café estava a minha espera, na mesa. Sentei pra beber enquanto olhava  a paisagem em minha janela, as folhas balançavam com a brisa, a geada cobria o gramado. As crianças vinham aos poucos, todas agasalhadas, difícil diferenciar uma da outra debaixo de tanta roupa. O cheiro do café inunda a sala, sinto uma grande saudade, de coisas que mal lembro ter vivido. Meu avô sorrindo, me pegando no colo e me levantando pra ver o moedor de café. Posso sentir suas mãos em meus braços agora, mãos calejadas, mãos de agricultor, seus olhos azuis denotavam grande satisfação quando via os netos. Queria eu poder vê-lo de novo, a sua paz e sabedoria me fazem muita falta, gostaria de tê-la herdado. Agora em minha vida, só há a solidão e a morte. Vovô ficaria muito triste se me visse agora.